- Estou?
Voz do outro lado:
- Olá, boa tarde. Estou a telefonar-te porque é preciso escutares algumas perguntas. Quando podemos começar?
Voz deste lado:
- Como assim?... Que tipo de perguntas?
Voz do outro lado:
- Por exemplo, sobre respostas.
Voz deste lado:
-Perguntas sobre respostas de quê?
Voz do outro lado:
-Quem faz perguntas sou eu. Fui eu que te telefonei.
Voz deste lado:
-Mas eu não sei quem és.
Voz do outro lado:
-Podes-me telefonar a perguntar.
Voz deste lado:
-Não sei quem és, e não sei porque havia de telefonar-te.
Voz do outro lado:
-Tantas perguntas... Deixas-me ser eu?
Voz deste lado:
-Podes começar.
Voz do outro lado:
-O que queres dizer quando respondes "tudo bem"?
Voz deste lado:
-(risos)
Voz do outro lado:
-Diz-me, o que quer isso dizer?
Voz deste lado:
-Não quer dizer muita coisa. Quer dizer que estás bem,... e que está tudo bem comigo.
Voz do outro lado:
-E és sincero?
Voz deste lado:
-Sincero? (risos) Não penso se estou a ser sincero, só limito-me a responder.
Voz do outro lado:
-Então eu peço-te que penses. Posso?
Voz deste lado:
-Podes...
Voz do outro lado:
-E então, és?
Voz deste lado:
-... Eu acho que ninguém liga muita a isso... Entendes? É mais um hábito e não uma pergunta. Se alguém te pergunta "tudo bem", não te pergunta realmente se estás bem, mas é como um olá, não um gelado da olá (risos).. Perguntam "tudo bem?" e eu respondo que está tudo bem.
Voz do outro lado:
-Mas tens dificuldade em ser sincero?
Voz deste lado:
-Não! Quer dizer, acho que não... Mas não é uma questão de ser sincero ou não, é obedecer ao hábito. Ninguém está à espera de ouvir os problemas da outra pessoa detalhadamente.
Voz do outro lado:
-Então não é uma pergunta.
Voz deste lado:
-Sim, visto dessa forma não é. É uma rotina, um cliché.
Voz do outro lado:
- Um cliché? (risos)
Voz deste lado:
-(risos) Sim..., é uma coisa que se costuma usar.
Voz do outro lado:
-Gostas de clichés?
Voz deste lado:
-Sinceramente nem sei bem o que são clichés. Só sei que são coisas deste género, que as pessoas todas usam sem saber muito bem porquê. Se cliché quer dizer mais que isso, não sei.
Voz do outro lado:
-Disseste sinceramente.
Voz deste lado:
-Sim, disse.
Voz do outro lado:
-Quer dizer que foste sincero.
Voz deste lado:
-(risos) Parece que sim.
Voz do outro lado:
-É fácil ser-se sincero às perguntas simples.
Voz deste lado:
-Se não forem clichés.
Voz do outro lado:
-(risos)
Voz deste lado:
-(risos)
Voz do outro lado:
-Mas clichés não são realmente perguntas. Não foi o que disseste?
Voz deste lado:
-Sim, mais ou menos isso. Acho que disse que as pessoas não sabem muito bem porque os usam, porque é uma rotina.
Voz do outro lado:
-...
Voz deste lado:
-Em que estás a pensar?
Voz do outro lado:
-Também costumas usar?
Voz deste lado:
-O quê? O cliché? (risos)
Voz do outro lado:
-Sim...
Voz deste lado:
-Claro! Toda a gente usa.
Voz do outro lado:
-Mas não te preocupas como a outra pessoa se sente realmente?
Voz deste lado:
-Preocupo-me, mas às vezes não há tempo para isso. Ou não se conhece a pessoa muito bem, por exemplo.
Voz do outro lado:
-É preciso conhecer?
Voz deste lado:
-Preciso preciso não é, mas ajuda.
Voz do outro lado:
-E os amigos?
Voz deste lado:
-Com os amigos é diferente. Há sempre tempo para os amigos.. (risos!)
Voz do outro lado:
-?
Voz deste lado
-Estou-me a rir, porque isto é quase um cliché.
Voz do outro lado:
-O há sempre tempo para os amigos?
Voz deste lado:
-Sim. Mas é verdade...Quer dizer, quando se trata de um amigo, é importante saber como ele se sente.
Voz do outro lado:
-Nesse caso perguntas realmente para saber?
Voz deste lado:
-Com um bom amigo às vezes nem é preciso perguntar, sente-se logo pela cara dele. Mas sim, se pergunto se ele está bem é porque quero mesmo saber, e não estou só a usar mais uma vez um cliché.
Voz do outro lado:
-As rotinas não se aplicam aos amigos então?
Voz deste lado:
-Depende... Depende dos amigos e depende das rotinas.
Voz do outro lado:
-Podes continuar...
Voz deste lado:
-Depende do quão importante um amigo é para ti. Eu acho que quanto mais importante ele é, mais sincera e menos cliché é a relação. Enquanto que para certos amigos, que nem são bem amigos mas mais conhecidos, também há uma espécie de rotina. Coisas que se fazem e dizem, sei lá... agora não me lembro de nada em particular, mas sei que existem hábitos fortes.
Voz do outro lado:
-Não te consegues lembrar de nenhum?
Voz deste lado:
-....
Voz do outro lado:
-...
Voz deste lado:
-Por exemplo, às vezes fingir que está tudo bem quando não está.
Voz do outro lado:
-Amigos importantes são bons.
Voz deste lado:
-Imenso...
Voz do outro lado:
-E os outros?
Voz deste lado:
-Quais outros?
Voz do outro lado:
-Os conhecidos.
Voz deste lado:
-Esses nem tanto. Há uns que gosto mais, outros que em relação a eles sou um pouco indiferente. Talvez para com alguns tudo o que falta é oportunidades para conhecermos-nos melhor, mas nem sempre há tempo para isso.
Voz do outro lado:
-Então quer dizer que é importante conhecer uma pessoa bem.
Voz deste lado:
-Sim. Dessas das quais eu acho que ainda não tivemos oportunidades suficientes para conhecermo-nos.
Voz do outro lado:
-Eras sincero para com elas, se te perguntassem se estavas bem?
Voz deste lado:
-Acho que não usaria um cliché.
Voz do outro lado:
-Como assim?
Voz deste lado:
-Quer dizer, acho que tentava responder doutra forma que não fosse tão rotina. Tentava saber, realmente, como ela se sentia. Era importante para mim.
Voz do outro lado:
-Porquê?
Voz deste lado:
-Porquê?!
Voz do outro lado:
-Sim.. porquê.
Voz deste lado:
-...
Voz do outro lado:
-Eu espero.
Voz deste lado:
-Não sei, .. talvez assim também teria oportunidade de falar de mim. Tornar-mo-nos importantes um para o outro. Bons-amigos.
Voz do outro lado:
-Bons amigos?
Voz deste lado:
-Sim.. fazer bons amigos.
Voz do outro lado:
-Isso faz-se?
Voz deste lado:
-Se tivermos as oportunidades certas e se quisermos.
Voz do outro lado:
-Então se alguém fizer por querer, pode ter muitos amigos importantes?
Voz deste lado:
-(risos) Isso parece-me mais uma hipótese teórica e não real.
Acho que nunca se tem muitos bons amigos, daqueles que são mesmo importantes. Fazem-se bons amigos, mas não é uma fábrica de produção em série, não se fazem assim sem mais nem menos. É preciso algo mais, não te sei explicar... talvez dedicação, muita dedicação.
Voz do outro lado:
-Agora está a parecer-me que é muito difícil fazer de pessoas, amigos importantes.
Voz deste lado:
- (risos) Mas não é.. às vezes acontece sem tu fazeres nada, às vezes tens de te esforçar um pouco, depende. São poucos por isso não é que tu estejas dia e noite a fazer bons amigos.
Voz do outro lado:
-Vou ter de desligar...
Voz deste lado:
-...
Voz do outro lado:
-Obrigado pelo teu tempo.
Voz deste lado:
-Espera aí! Não dizes mais nada?
Voz do outro lado:
-Por agora não.
Voz deste lado:
-...
Voz do outro lado:
-Não fiques chateado, o teu tempo não foi em vão.
Voz deste lado:
-Vou tentar não ficar. Não prometo nada...
Voz do outro lado:
-Não fiques.
Voz deste lado:
-Vou pensar nisso... (risos).
Voz do outro lado:
-(risos)...
Voz deste lado:
-Adeus
Cling*!*
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