domingo, novembro 30, 2003

Uma Tarde no Tao

A barriga conta histórias de uma fome que se sacia em episódios. Não sabemos que horas são. Estamos à espera de alguém que aparecerá daquele canto, ali na rua. É tanta a fome, que se sente a irritação do estômago.
Entramos. Perguntamos se ainda servem “alguma coisinha” – é que estamos cheios de fome, não comemos há muito – dizemos.
Sempre me estranhou este paradoxo, de estarmos cheios de fome.

Dão-nos de comer.
Feijão frade, envolvido no brilho perfumado da cebola, um panado de cor dourado, duas nozes de arroz integral, uma forma triangular de pizza de tofu (deliciosa!!), e que mais? Sim, só restam as cenouras gordas e doces, pigmentadas por traçados horizontais de alho françês.
Sabor.. tão bom sabor. Sabe a bons momentos.
A fatia triangular da pizza de tofu, não sei se foi por acaso, mas no topo estava barrada com miso de cevada. O sabor desta combinação invulgar é num sabor forte e aromático. Num momento parece que exalta a presença das especiarias adormecidas, noutro dilui-se na boca, concentrando a atenção na parte anterior da língua.
Se fecho os olhos, ainda consigo saborear esse requinte.

Continuamos à espera.. À espera dela. A mulher da nossa história.
Telemóvel não temos, ficou sem bateria. Ironia do mundo moderno.. Ficamos incapazes de nos contactarmos. A denúncia silenciosa da nossa dependência.
A dependência da nossa necessidade...

Aguardamos, e no entanto continuamos a comer, continuamos, apesar de num ritmo fernético, a saborear, qual palavras se liam numa página solta de um romance promissor. Sempre olhando aquela esquina, sempre esperando que ela chegasse.

Passeia-se distrações, permaneiam-se especulações com a delicadeza que o ambiente inspira.
Uma pacata rua dourada na Capital das Naus, um panaceio de caras invulgares, que entram, que saem, que passeiam à frente do vidro.
Sala quadrada, alongando-se para dentro de portas que não nos cabe passar além. Sim o mistério..
Melodia, cortando o ar, bombeando sentimentos, colorindo as paredes, trespassando a intimidade interior dos gourmets, com o poder do som. Calcando a superficie sensível da pele. Alimentando de qualque forma, a tranquilidade. Nutrindo celestialmente o oxigénio.
Há até o cheiro da madeira escura, que ali pernoita indefenidamente, que por estas e por outras, o que outrora sustentava copas frondosas, sustém hoje mãos, jornais, copos, ideias, tabuleiros e segredos entranhados.
E cadeiras que se sentam no chão..

Eu sentado que nem um espectro naquela esquina.
Naquele momento essa esquina é o fim de uma rua e o fim da minha espera.
A mulher da nossa história aparece.
Enfim a felicidade que me subtrai dos momentos que não se distinguem uns dos outros