quarta-feira, novembro 26, 2003

Sing Softly to me

Ela ensaiava junto ao piano a sua identidade de génio. Olhava-me, primeiro sem reparar. Mas quando dois olhares se cruzam as distâncias dissolvem-se.
Ela olhava-me, eu respondia sem som.
Eu admiro-a.
A luz da sua presença na mesma sala, criava a mesma luz de Outono, ali só para quem dava atenção.
A dimensão que se criara transportara nós dois.
Escuto teclas de piano. Sabe-me a Jazz.
Debaixo do chão circundante dos seus pés tranquilos o soalho ganha cor.
Continuam as mesmas teclas, sabe-me a mais que jazz.
Ela sabe mais do que aparenta. Ela está a falar comigo.
Neste momento olha-me, eu sorrio “sei o que me estás a dizer”...
Oiço cordas de uma viola a soltarem som. Sabe-me a café e a brumas.
Ela repete os mesmos passos sonoros com os seus dedos brancos sobre o branco e preto.
Sabe-me a felicidade matinal. Sinto-me num sonho.
O ar adquire propriedades acobreadas em redor dos lisos cabelos dela.
Sei que ela intensifica a sua atenção sobre mim.
Poiso a revista sobre o sofá, levanto-me e danço sobre mim, sozinho mas de braços dados à força de gravidade que nos aproximava.
O piano entua o sabor do interior doce dela.
Escuto.. os sentimentos que só ela conhece, chegando até mim.
Amo os seus sentimentos.
Estendo os meus até ela.
Ela descreve luas com a dança eliptica do seu pescoço delicado.
O piano responde-me, sinto-me feliz.
Ela sente-se feliz, eu sinto somos em uníssono.
O seu vestido branco sugere o seu grau de devoção ao encanto.
Fecho os olhos e escuto o piano, escuto a viola distante.
Sabe-me a café e a sonhos debaixo de uma manta quente.
Acordo.
E vejo-a ainda de olhos fechados, agarrada à sua almofada azul.
Sinto a sua felicidade, sinto que não me posso sequer sentir separado da largura generosa do seu sorriso.
Ela escuta o meu sentir.
Abre os olhos,...
Sinto o nascer do raios quentes da sua iris verde floresta no meu rosto, e diz-me:
- Canta suavemente para mim...